Alboi ou a ruína da alma das cidades

Um caso paradigmático da «doença da modernidade» e do esbanjamento de recursos públicos no caso do bairro de «Alboi cortado ao meio» em Aveiro. Creio que a destruição desse belo recanto da alma do antigo urbanismo português foi consumada em setembro de 2019.

A árvore garantia de saúde urbana

Nas duas últimas décadas cresceu a consciência dos cidadãos sobre a importância da árvore em meio urbano – mas a sociedade e as autoridades ainda não assumiram claramente as consequências. Este escrito, a propósito de livro editado por uma associação, foi assumido também em meu nome pessoal.

CHÃO: A QUE VEM ESTE BLOCO-DE-NOTAS?

Aos 78 anos, já perto dos 79, inicio este diário, há muito pensado e sempre adiado. Nele comunico reflexões e ideias de uma faceta da minha vida apenas surgida em 1970 (aos 25 anos: nasci em 1945) mas que ficou para durar e me absorveu quase inteiramente – a cidadania no domínio do movimento ecológico universal.  Talvez em prejuízo de outras a que não pude dedicar-me quanto gostaria. Para dialogar comigo sobre o que aqui for escrevendo: enviar perguntas, contributos ou observações para jcdcm@sapo.pt Tentarei responder. 

José Carlos Costa Marques

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Diário

Criaturas da Terra, do Ar e do Mar: Uma Espantosa Borboleta Noturna

Quando deparei com a referência a esta borboleta, vi que é considerada uma das mais belas borboletas noturnas jamais vistas. É a Stigmella aurella, ou vulgarmente «nepticule» (em francês), e está presente no território português. Foi descrita pela primeira vez em 1755. É minúscula, tem (no máximo) 3 a 7 milímetros apenas de comprimento. A sua beleza é tão apreciada que não resisti a deixar aqui a sua fotografia (um pouquinho aumentada, claro…).

A revista La Hulotte (que tem dezenas de milhares de assinantes em França, e de que falarei neste diário com mais detalhe um dia, dedicou-lhe o número mais recente (115, segundo semestre de 2023). O seu habitat preferido são os maciços de silvas, planta pouco apreciada dos horticultores e jardineiros. No entanto, vi quase ao mesmo tempo noutra revista (de jardinagem e agricultura biológica) esta apreciação sobre os silvados, no final de uma nota que instruía sobre a melhor maneira de se livrar deles: Não hesitem em conservar alguns pés de silvas nas margens do vosso terreno: para já não falar dos frutos deliciosos, elas proporcionam refúgio às aves e têm um merecido lugar nas sebes dos campos.

www.lahulotte.fr

Solos, Fertilidade, Agricultura: do Composto Como Fertilizante à Compostagem Como Sepultura

A revista bimestral francesa 4 Saisons (4 estações) dedica-se à jardinagem, horticultura e agricultura biológica, à permacultura e às alternativas ecológicas no quotidiano, e é um dos eixos mais vigorosos do movimento de regresso à terra em França. No seu n.º 263 (novembro-dezembro de 2023), dedica um dossiê ao tema do composto e do seu papel-chave na fertilização do solo sem recurso a fertilizantes químicos de síntese. Como fazer composto? Em pilha ou em superfície diretamente sobre o solo a fertilizar? Como aplicá-lo? Maduro, semi-maduro? Qual o impacto da redução dos biorresíduos, resíduos orgânicos, restos de cozinha que, em França, a partir de 1 de janeiro de 2024, se tornou obrigatório separar a fim de evitar o aterro ou a incineração, e que poderão ser usados na fertilização dos solos?

O dossiê fala também da compostagem extrema (ainda não permitida em França) como nova forma de sepultura (recorrendo ao neologismo «humusation» já promovido pela Fundação Metamorphose sediada na Bélgica). Significa afinal a compostagem, decidida pelos próprios, do corpo dos defuntos (o bíblico «pó que te tornarás pó», de algum modo). Assunto controverso, sem dúvida, bem mais sensato no entanto que as bárbaras valas comuns que se multiplicam em tempos como os nossos de guerras exaltadas e assentes na alta tecnologia. A «humusação» (transformação em húmus) como forma de «funeral ecológico» aparece na sequência de toda uma reflexão sobre a «morte ecológica», assunto de um livro também editado por Terre Vivante, o mesmo editor de 4 Saisons: Funérailles écologiques, 2017 (título completo traduzido: Funerais ecológicos: para cerimónias fúnebres que respeitem o ser humano e o planeta).

Dois anos antes, no seu número 251 (novembro-dezembro de 2021), o dossiê de 4 Saisons foi dedicado a «Um pomar resistente à mudança climática». Para a revista e para os livros editados pelo mesmo editor, veja-se
www.terrevivante.org

Água, Rios, Bacias Hidrográficas: Voltam os Guarda-Rios?

Começamos a ouvir falar mais de restituir à figura do guarda-rios a importância que já teve, função entretanto suprimida formalmente nos anos 1990. O município de Famalicão, por exemplo, vai constituir uma equipa de quatro funcionários municipais com essa tarefa, com vista à fiscalização de todas as linhas de água existentes no concelho de modo a assegurar que as margens permaneçam limpas. Pondo assim a descoberto fontes de poluição, permitirão denunciá-las, bem como erradicar as espécies invasoras de plantas. Sobretudo evidenciando as ligações ilegais que frequentemente se fazem, tornando rios e ribeiros em esgotos.

Se os quatro elementos se revelarem insuficientes, a equipa será reforçada, segundo o vereador do ambiente. Quanto ao SEPNA (Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente da GNR), de acordo com o autarca, não é eficaz devido ao excesso de trabalho que já tem.

Falta no entanto, a nível legislativo e na estrutura da administração pública, criar, ou recriar, a carreira de guarda-rios. A iniciativa casuística de alguns municípios, sendo de louvar, não substitui a existência, por recriação legal, da carreira de guarda-rios na administração pública.

Estará o desinteresse dos poderes públicos, centrais ou locais, pela vigilância e defesa dos valores ecológicos a ser substituído finalmente pela clarividência? Há muitos indícios em contrário, infelizmente. É sempre um gosto deparar, no entanto, com exceções como esta à «normalidade».

Agradeço a José Luís Araújo, grande amigo dos rios e ativista a favor deles, ter-me permitido em conversa esclarecer alguns pontos desta questão.

Fonte: Jornal de Notícias, de 27 de janeiro de 2024
https://www.jn.pt/4176427186/famalicao-vai-ter-guarda-rios-a-monitorizar-as-linhas-de-agua/

Ecologia e Saúde: Eliminar a Poluição

Lendo uma recensão de um livro sobre alergias e de como o nosso sistema imunitário reage à mudanças do mundo, deparo com uma ideia em que o articulista, embora dizendo que a poluição é apenas um dos fatores do surgimento da asma em certas crianças, logo adiante reconhece que, ao contrário de certas medidas como a própria instalação de filtros de ar, começar por eliminar a poluição é a melhor abordagem, para logo concluir que refletir sobre alergias (e poderíamos aplicar a conclusão a muitas outras morbilidades) inevitavelmente nos leva a fixar a atenção na necessidade de melhorar o ambiente.

Historicamente (séculos XVIII e XIX) foram melhorias ambientais (higiene pública, abastecimento de água, medidas de saneamento) que permitiram as mais notáveis melhorias da saúde pública, mais do que outros fatores. Por outro lado, foram sendo identificadas as chamadas doenças de civilização e fatores precisos de degradação ambiental como causas de doença. Mas uma boa parte das estruturas e entidades de saúde, e não poucos profissionais do setor, continuam a pensar e a agir num «vazio ambiental». Em alguns países, há mesmo academias médicas que ignoram, subestimam ou até negam a importância do fator ambiental, inclusive no cancro. Um livrinho com o título desta minha rubrica, Ecologia da Saúde (Edições Sempre-em-Pé), foi traduzido e editado em Portugal em 2011, e a forma como (não) foi recebido em certos meios médicos mostrou bem a mesma atitude.

Livro referido: Allergic – How our immune system reacts to a changing world, de Theresa MacPhail, edição Allen Lane, recenseado por Daniel M. Davis, Professor de Imunologia em Londres. In The Times Literary Supplement, janeiro 12, 2024.

Soberania Alimentar, Direito à Alimentação: Política Alimentar e Campesinato

A Declaração Universal dos Direitos do Homem foi adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. No entanto, o direito à alimentação enquanto tal só em 18 de junho de 2023 foi pela primeira vez oficialmente reconhecido, por voto popular, e apenas na constituição de um território do Hemisférioi Norte – a República e Cantão de Genebra, da Confederação Helvética (Suíça). Se no Hemisfério Sul está por garantir que grande parte da população possa simplesmente não passar fome, no próprio Hemisfério Norte (onde algumas franjas, aliás, também podem passar fome) está ainda por garantir o direito universal a uma alimentação de qualidade, mesmo nos países ricos. Produzida portanto com métodos ecológicos, sem produtos que contaminem os próprios alimentos, as águas, os solos e mesmo o ar.

Reconfigurar o sistema alimentar por meio de políticas alimentares consequentes é o fio condutor do trabalho de Christophe Golay, investigador na Academia de Direito Internacional Humanitário, de Genebra. Em entrevista a La Revue Durable, Golay aponta duas componentes do direito à alimentação. A primeira é não estar sujeito à fome, esse mínimo a que cada pessoa deve ter acesso, sempre. A segunda, igualmente importante, é o direito a uma alimentação adequada, não contaminada, o que mesmo no Hemisfério Norte está longe de ser uma realidade. Ao longo da entrevista é realçado o papel decisivo dos camponeses antigos e novos, de uma agricultura de camponeses e agricultores, e não de sociedades anónimas, portanto de um campesinato, de que depende a soberania alimentar.

Ver La Revue Durable, n.º 69, Inverno-Primavera 2024.
www.larevuedurable.com