Bloco-de-notas: coisas de agora, escritos antigos, valores perenes

Dez 27, 2023

A este bloco-de-notas trago coisas de agora, no Diário. Ao lado, em Escritos & Memórias, tento recolher escritos meus ou em cuja redação participei com outras pessoas ao longo do tempo, juntando coisas que estão dispersas a esmo. Tentarei trazê-las aqui quando casualmente as for encontrando entre papéis desarrumados, à medida que os tento ordenar. Tanto em Diário como em Escritos & Memórias o fulcro, mesmo quando pareça afastar-se dela, é sempre a perspetiva ecológica ou como eu a vejo.

Eu vi a luz em um país perdido.
A minha alma é lânguida e inerme.
Ó! Quem pudera deslizar sem ruído!
No chão sumir-se, como faz um verme
Camilo Pessanha, «Inscrição» em Clepsidra

CHÃO. SOLO. HÚMUS. TERRA.

Húmus, terreno propício para os vermes. Para a fertilidade. Húmus e humildade: a mesma origem.
Ao rés da terra.
Comunicar. Trocar ideias. Sobre quê?
A terra. A Terra. O nosso destino comum.
A Natureza. A natureza. A humanidade na natureza.
Nós, os animais, as plantas, a humanidade.

Nasci em 1945. Começo agora este bloco-de-notas. Este Chão.
Nos últimos anos de uma vida. Poucos, provavelmente. Ou ainda muitos, quem sabe.
Num momento da vida como este, serão sempre muitos por poucos que sejam.

Até 1970, com 25 anos, nada sabia de conservação da natureza, ou da sua proteção. De ecologia, menos que nada. Pela primeira vez, descobri-a em 1970. Já em mais do que uma ocasião, contei como lá cheguei, em pequenos círculos de ouvintes. Neste Chão, espero ir-me explicando sobre isso, de vez em quando.

Em 1970, detestava os «ismos» e  os «istas». E ainda evito identificar-me com eles. Mas, goste ou não goste, desde cedo me identificaram com «ismos» e «istas». Dos 15 aos 20 anos, diziam-me «católico progressista». Quando me afastei dessa via e, aos 25 anos, comecei a ter como horizonte a perspetiva ecológica (aliás compatível com qualquer perspetiva religiosa ou não religiosa), passei a ser, para alguns, «ecologista». Não me agradava, mas fui-me acostumando e passados tempos deixei de me incomodar por causa disso.

A partir de 2000-2001, com a fundação, no Porto, da associação de defesa do ambiente Campo Aberto (de que fui um dos doze fundadores), tendem por vezes a confundir-me com ela. Porém, ainda não surgiram as condições para que possa dela desprender-me um pouco mais sem pôr em causa a sua continuidade.

Sentia no entanto necessidade de exprimir-me em meu nome próprio – em matérias ecológicas, ambientais e outras mais ou menos próximas, ou mais ou menos afastadas. De modo a não ter que falar sempre em nome de uma organização, por pequena que seja, e sem de modo algum me dessolidarizar dela, bem ao contrário. Ela, no entanto, não é responsável pelo que aqui escrevo. A responsabilidade é unicamente minha.  Sem qualquer incompatibilidade.

Simplesmente, aquilo que disser neste Chão digo-o somente por mim, sem comprometer mais ninguém e, espero sem comprometer terceiros, sem que a Campo Aberto possa sentir-se prejudicada com a minha companhia. Incapaz até agora de encontrar tempo para concretizar essa intenção, ela foi-se arrastando durante anos. Será agora?

José Carlos Costa Marques
jcdcm@sapo.pt

Dos dicionários – chão: superfície que pisamos, solo, terra, campo de cultivo, húmus, território, país, raso, simples, sem ornamentos, terra a terra, rústico, sincero, franco, humilde.

Palavras síntese – emoções | sensibilidades | cidadania | ambiente | território | campos | cidades | aldeias | natureza | pensamento | ativismo | caminhos e derivas